Por que precisamos estudar a mídia?
As aulas começaram em 1 de agosto de 2011. A disciplina “Comunicação, Educação e Tecnologia” pela qual sou responsável juntamente com a professora Iolanda Rodrigues Nunes (e onde implementamos nossas ações de mídia-educação) pertence ao ciclo comum de formação dos cursos de licenciaturas em História, Geografia, Ciências Biológicas, Física, Química e Matemática e também do curso de bacharelado em Serviço Social. Portanto, temos alunos das três áreas da ciência, com expectativas e repertórios diferentes, para os quais devemos ensinar o uso crítico e autônomo das mídias.
A gente costuma começar o semestre com uma polêmica recente envolvendo a cultura midiática, a fim de despertar a curiosidade dos alunos para algo que eles nem sabiam que existe: a mídia como uma matéria de estudo. Acreditem, é possível estudar essa matéria de maneira tão sistemática como se estuda cálculo ou genética.
Nosso objetivo no primeiro dia de aula é refletir sobre duas questões: 1. que tipo de influência a mídia tem na construção das nossas identidades; e 2. qual é o papel do educador num mundo midiatizado.
Neste semestre, escolhemos algo hardore: publicidade de ar condicionado de carro acusado de promover a pedofilia. Trata-se de um anúncio produzido pela agência brasileira de publicidade Moma para a fabricante de carros KIA.
Conforme notícia dada pelo jornal especializado em publicidade “Meio & Mensagem”, os anúncios intitulados “Teacher” (veiculado no Brasil) e “Princess” (veiculado nos Estados Unidos) foram premiados com o Leão de Prata, mas o prêmio foi cancelado porque a agência não comprovou a veiculação dos anúncios antes de serem submetidos ao prêmio. Nesse meio tempo, uma discussão nas redes sociais de brasileiros questionou a idoneidade do anúncio, que sugeria uma relação pedófila entre o professor e a aluna.
Polêmicas como essa se tornam ótimos materiais pedagógicos para aprender e ensinar leitura crítica da mídia, porque estimulam o debate e forçam os alunos a emitirem uma opinião baseada em argumentos. Nesses momentos, é preciso saber identificar recursos da linguagem, representações, possíveis reações da audiência, que são alguns dos chamados “conceitos-chave” da mídia-educação.
Nas nossas aulas, lemos uma notícia publicada pelo site Opera Mundi e exibimos o anúncio em uma apresentação de Power Point. A seguir, pedimos aos alunos que repondessem cinco perguntas:
1. Na sua opinião, o anúncio incentiva a pedofilia?
2. Em quais evidências você apoia sua resposta?
3. Descreva outros três episódios da cultura midiática (tipo publicidade, cena de novela, notícia de jornal) que você se lembra e explique que tipo de influência esses episódios podem ter sobre as pessoas.
4. Como você acha que a mídia influencia as pessoas?
5. Sintetize seu ponto de vista sobre a influência da mídia.
O debate foi diverso. Boa parte dos alunos disse que pedofilia era a última coisa na qual pesnariam se abrissem uma revista e vissem aquele anúncio. Quando eu perguntei porque, disseram que era porque tinha ali duas histórias diferentes, com personagens diferentes: de um lado, o professor e a aluna, com uma estética típica de ilustração de livro didático ou literatura infantil; de outro, uma estética típica de quadrinhos adultos, com a aluna vestida de modo a lembrar uma atriz de filme erótico representando estudantes adolescentes…
A atividade poderia ter parado por aí, com cada qual reafirmando suas convicções. Mas um educador para a mídia não deve deixar que isso aconteça, senão o resultado será a mera celebração da vontade do aluno.
O pesquisador inglês David Buckingham diz que uma atitude relevante para a mídia-educação é “estranhar o texto”, isto é, encontrar formas de se afastar emocionalmente da mensagem e refletir sobre o modo como a linguagem gera sentido e como a audiência tende a responder a essa linguagem. Uma análise como essas desmonta a mensagem, permite que o estudante analise seus componentes e imagine alternativas para aquela polêmica.
No caso do anúncio “Teacher” da Moma, de fato, aparentemente, são duas histórias paralelas. Mas há um problema: os diálogos dos balões não permitem a leitura paralela. Ao contrário, a aluna criança fala com o professor, que responde para a aluna adolescente. O texto conecta as duas histórias, recurso aliás, típico das graphic novels mais elaboradas.
Em termos de linguagem, o que temos nesse anúncio é o recurso ao duplo sentido, que atiça a curiosidade do leitor (como convém a qualquer anúncio publicitário), mas que tem o efeito colateral de representar a dubiedade da relação. Os autores do anúncio, decerto, contavam com o leitor ideal, que capta a ousadia da duplicidade, mas que sabe que a agência não propaga a pedofilia, obviamente.
Ocorre que os publicitários também não tiveram aula de mídia-educação e, muito provavelmente, se esqueceram de que leitores ideais não existem. Nesse sentido, a linguagem como foi usada, permite que o leitor interprete aquele anúncio como a voz de alguém que não considera uma aberração o professor pretender ter relações sexuais com sua aluna criança.
Curiosos são os comentários postados pelo público no site do Opera Mundi: há desde de gente chamando o anúncio de nojento a gente dizendo que quem o critica é reprimido sexualmente e que, ao invés de ficar se incomodando com isso, deveria “ir trepar”. Incapacidade de argumentar e grosserias como essas escancaram o problema: as mídias digitais e sua cultura da participação abriram oportunidades para o debate como nunc ativemos antes. Pena é que as pessoas ainda não sabem usar essas oportunidades para aprender.
Mídia-educação neles!
Muito bom!
Inclui o seu blog no mapeamento que estamos fazendo sobre a Midia-Educacao no Brasil. Sera uma otima referencia para nos.
Sera um prazer contar com sua participacao, inclusoes e sugestoes.
Afeto,
Obrigada. Sim, vamos conversar 🙂