Como estudar a mídia na escola
Na segunda semana de agosto, fiquei fora para participar do XXIV Congresso Brasileiro de Biblioteconomia, Documentação e Ciências da Informação, para o qual fui convidada para falar sobre as políticas de mídia-educação no contexto cultural brasileiro (leia sobre o evento aqui).
Aproveitei a oportunidade para criar uma atividade não-presencial que usasse recursos da chamada Web 2.0 e criei uma “aula-blog”. Depois da discussão inicial sobre a influência da mídia e o papel da educação, o próximo passo seria pensar sobre como promover tal educação.
Organizei a atividade em seis postagens: primeiro expliquei o que são aulas não-presenciais e como as faremos na disciplina, depois expliquei o objetivo da aula, na qual os alunos deveriam ler um texto de minha autoria intitulado “Educação para a Mídia: da inoculação à preparação” e responder três perguntas que relacionam o assunto do texto com suas experiências profissionais. Por fim, vieram as perguntas, cada uma em uma postagem. Os alunos deveriam usar a ferramenta de comentários para respondê-las.
Ao configurar o blog, deixei a opção de comentários totalmente aberta. Caso restringisse a pessoas cadastradas ou com assinatura digital etc, certamente teria problemas técnicos, já que muitos não conhecem esses recursos e se perdem nas funcionalidades do sistema. Como o objetivo era obter participação, arriscamos deixar o blog vulnerável, porém fácil de acessar. As configurações de comentários tinham três instruções: responder na postagem certa; escrever em português padrão e, afo final, colocar o nome completo, a turma e a professora, já que somos em duas e esse registro facilitaria nosso trabalho depois.
Fiquei particularmente surpresa em ver como os alunos fizeram tudo isso. Em outras oportunidades, já vivi confusões homéricas: gente que não acha o endereço, que posta a resposta no lugar errado, que escreve em linguagem compreensível para quem vive num mundo à parte da blogosfera. Mas é assim mesmo, a gente precisa ter paciência, ir tentando até que a cultura se estabeleça.
O texto “Educação para a mídia: da inoculação à preparação” sintetiza três aspectos: problemas decorrentes da influência da mídia, conforme alguns estudos clássicos na área de comunicação, aspectos históricos das relações entre mídia e educação (no Brasil e no mundo) e propostas educacionais para estudar a mídia na escola.
As questões trataram de três questões centrais para uma proposta de mídia-educação: 1. compreender como a audiência “funciona” e que tipo de audiência somos cada um de nós; 2. que tipos de habilidades técnicas dominamos para nos integrar à cultura digital e 3. em que medida conseguimos classificar a cultura midiática em “arte” e “massificação”.
As tendências em si encontradas nas respostas não me surpreenderam, porque cabem naquilo que os estudos sugerem: todo mundo acha que a leitura crítica é ncessária, mas que quem precisa dela e a “massa”, que é sempre composta por pessoas que não nós mesmos. Dos 40 comentários registrados para a questão 1 (que indagava em momentos os alunos se achavam críticos e em que momento se viam passivos), 22 se auto definiram como leitores críticos, 14 disseram que são mais ou menos e apenas 4 se julgam passivos e, na maioria das vezes, incapazes de refletir sobre a mídia.
Entretanto, é no teor dos argumentos que a mente dos alunos se revela e traz à tona suas habilidades, fraquezas e soluções para se posicionar frente a um assunto tão familiar e tão polêmico como é a cultura midiática.
Entre as características de um leitor crítico destacadas pelos alunos estão:
– ser capaz de fazer escolhas frente à avalanche de opções;
– ter conhecimento aprofundado do assunto e conhecer outros pontos de vista;
– enxergar o outro lado da notícia ou da publicidade;
– fazer questionamentos e desmembrar a mensagem para ver o outro lado;
– não ceder ao apelos consumistas;
– ter argumentos para contrariar;
– perceber como a mídia fantasia a vida;
– perceber quando a mensagem usa recursos “lúdicos” para nos convencer;
– ser capaz de ler as entrelinhas;
– ser capaz de não se envolver emocionalmente;
– Não usar a mídia somente para o lazer e a distração.
Boa parte desses argumentos está presente nas definições de leitures críticos presentes em textos acadêmicos e documentos oficiais de governos e organizações engajadas no tema. Mas uma questão prevalece: como fazer isso?
Tome-se os exemplos “perceber como a mídia fantasia a vida” ou “desmembrar a mensagem para ver o outro lado”. Então tá, preciso fazer isso numa aula para amanhã. Por onde eu começo? Como é que eu vou começar a aula? Que recursos eu vou usar? Que tipo de exercício vou fazer? Como vou avaliar se meus alunos aprenderam ou não a “perceber como a mídia fantasia a vida?” E o que é precisamente fantasiar? É dizer que quem casa é necessariamente feliz? Que a Dilma não tem controle sobre o governo? Que o aborto é um pecado terrível e que as mulheres que o cometem devem ser presas? Quem pensa o contrário necessariamente fantasia?
Um dos respondentes, o Vitor Lacerda, aluno do curso de História me ajuda a responder essas questões:
“A princípio, quando estou sujeito à mídia; através do cinema, da televisão, do rádio e dos meios impressos, há uma tendência natural de crítica e interpretação do que é visto/lido. Todavia é comum a evasão progressiva deste espírito crítico quando nossa atenção é seduzida por esses meios midiáticos. A idéia arraigada de que quando se está em casa lendo uma revista ou vendo televisão não é preciso exercitar uma crítica sobre aquilo que nos é imposto pela mídia, é mais trivial do que parece. Exercitar a crítica permanentemente é cansativo de modo que estamos, ouso dizer, em menor ou maior grau, sujeitos ao ataque midiático e seus sedutores conceitos prontos, idéias acabadas e modelos efêmeros. Deste modo, julgo que sou alguém criticamente vulnerável à mídia.”
Pois é, leitura crítica da mídia é um hábito, como comer salada ou escovar o dentes, mesmo quando a gente está morrendo de sono. Nas próximas aulas, vamos criar pequenas oportunidades para estabelecer esse hábito na vida dos alunos.