Stuart Hall e as narrativas gráficas
Depois de conhecer as justificativas e alguns fundamentos da mídia-educação, os estudantes vão começar a explorar conceitos e linguagens. O tempo é um curto, são 15 semanas de uma disciplina com 2 créditos, então nossa saída é aglutinar diversos aspectos no estudo de casos específicos.
Escolhemos o tema “narrativas gráficas”, para tratar de quatro aspectos: a estrutura narrativa de textos midiáticos, signos verbal e não-verbais, histórias em quadrinhos, produção e recepção. A terminar esse tema, esperamos que alguns processos de produção se tornem claros para os alunos e que eles consigam examinar uma mensagem midiática audivosial “por dentro”, tecendo hipóteses sobre o seu processo de produção.
Se formos felizes nesse processo, então teremos estudado o processo de codificação e decodificação, um conceito fundamental da abordagem dos Estudos Culturais Britânicos, que são a nossa fundamentação teórica na disciplina “Comunicação, Educação e Tecnologia”.
Em um texto escrito em 1973 (o ano em que eu nasci!), Stuart Hall criticava os estudos tradicionais que concebiam a comunicação como um processo linear do tipo emissor-mensagem-recepção. Estudando o modo como as pessoas decodificavam novelas, filmes, publicidade, os críticos do modelo linear propuseram um outro, “uma estrutura produzida e sustentada através da articulação de momentos distintos, mas interligados: produção, circulação, distribuição/consumo, reprodução”.
O primeiro modelo – o linear – concebia a comunicação como um pacote veiculado por uma estrada de ferro: o emissor empacota a informação que é transmitida pelo canal; o receptor a desempacota e usa, conforme as instruções implícitas na própria mensagem. A ideia de público por trás desse modelo é o da massa passiva, que sofre todas as influências planejadas pelos produtores de conteúdo.
O segundo modelo – uma espécie de circuito com diversas dimensões integradas – vê a comunicação como um processo complexo e muitas vezes imprevisível: o emissor tem uma ideia e a codifica dentro dos limites da linguagem e das condições de produção, tentando prever e atender as expectativas do seu público; ao ser codificada, a mensagem se torna um pacote vazio de significado, porque deixou o sentido idealizado pelo emissor, mas ainda não recebeu a interpretação do receptor.
Quando está sendo interpretada pelo público, a mensagem volta a ser preenchida de sentido. Entretanto, nesse processo, parte do sentido idealizado pelo emissor chega ao receptor e parte se perde. Isso acontece porque o receptor negocia sentido com o texto, levando elementos do seu próprio repertório para a mensagem. O público, portanto, age como uma espécie de co-autor, é ativo e nem sempre sofre as influências da mídia.
Hall identificou três tendências de recepção (que ele chama de “decodificação”) e que foram resumidas no post “O papel da mídia e o papel da educação”.
Nas próximas seis aulas vamos estudar a codificação das narrativas gráficas e sua decodificação pelo público. Embora o foco seja a linguagem visual – já que estamos tratando de textos gráficos – nossa proposta é misturar fontes de informação multimídia e, assim, estimular os alunos a desenvolver habilidades de ler e estudar usando diversas linguagens: áudio, vídeo, texto e imagem.
Nossas atividades serão assim programas:
- Analisar o anúncio “Todos os animais têm as mesmas partes”, do PETA e discutir as intenções dos autores e as possíveis interpretações do público;
- Conhecer fundamentos da semiótica ouvindo o programa “Língua, Linguagem, Linguafone”;
- Identificar os tipos de signos no anúncio “Todos os animais têm as mesmas partes”, e refletir sobre o processo de codificação, as intenções dos autores e a ideia de público que está implícita na mensagem;
- Estudar o conceito de estruturas narrativas conhecendo a tragédia grega “Medéia” e o modelo universal de Todorov;
- Analisar a estrutura narrativa dos vídeo clipes “The Day that never comes”, do Metallica, “Thriller”, de Michael Jackson e a propaganda “Mangueira”, da operadora Vivo;
- Estudar a linguagem típica das histórias em quadrinhos a partir do capítulo “Leitura de Steve Canyon”, do livro “Apocalípticos e integrados” de Umberto Eco;
- Estudar o caso das tirinhas da personagem “Aline”, do cartunista Adão Iturrusgarai, em particular aquelas sobre o uso de LSD e a reação de leitores do jornal “Folha de São Paulo”.
No momento em que planejo essas aulas, a proposta me parece perfeita. Entretanto, como aula também é um processo de comunicação, toda a codificação que eu fizer estará sujeita à decodificação dos alunos. Nesse processo, eles irão interpretar as mensagens e o meu discurso com o repertório que eles têm – e que também é preenchido com lugares comuns que aprenderam nas suas próprias experiências com as mídias.
Esse tem sido um processo desgastante, tanto pra mim, quanto pra eles. É difícil para um estudante aceitar que parte do que ele pensa e interpreta é, na verdade, reprodução irrefletida de discursos hegemônicos, que nem sempre somos os donos da nossa própria consciência.
Mais difícil ainda é pôr o cérebro para funcionar e aprender a decodificar uma linguagem que parece tão natural, mas que é socialmente construída. A coisa que eu mais ouço nas aulas é “eu jamais veria isso!”, ou “a professora ta viajando!”
De minha parte, todo semestre, enfrento a mesma crise: faço um curso baseado em certo e errado ou chuto o balde e arrisco a fazer atividades e avaliações que desafiem a criatividade, a capacidade de análise crítica e que, por isso mesmo, não tem como ser analisadas em termos de certo e errado, mas sim em capacidade de argumentar e discutir?
Vamos ver no que é que isso tudo vai dar dessa vez…